March 21, 2008


a chuva vinha se formando, o céu se tornava cada vez mais sombrio com aquelas nuvens escuras borrando as bravas estrelinhas que ainda ousavam tentar brilhar. estavam opacas, tão ofuscadas pela crueldade das nuvens que se tornava óbvio o fato de que haviam morrido há tempos... o melancolia tomava conta do dia frio, enquanto o fraco odor do cigarro trazia lembranças trancadas num armário escondido da mente. a nicotina dava um conforto tão desconcertante que era difícil de explicar, e o exasperado sentimentalismo invadia tudo com aquela amolante noção de passagem do tempo. a varanda havia sido inundada por gotículas geladas de uma chuva lastimosa. definitivamente, teria sido um dia péssimo de se viver, não fosse aquela lua... todo aquele estado mórbido de tristeza se dissolvia com a cena. estava cobrindo boa parte do céu, iluminava as casinhas desordenadamente amontoadas no morro. os pontinhos de luz vindos delas pareciam tão insignificantes ao tentar lutar contra aquela claridade maior, que eu senti pena deles. o dia queria começar a raiar, mas não teve coragem de expulsar a bela imagem do céu. preferiu ficar escondido atrás do monte, apreciando, extasiado. não seria justo tentar descrever como se apresentava a lua, nenhuma combinação de palavras existentes poderia explicitar para alguém como ela estava. o fenômeno merecia todos os olhares tortos desse mundo torto, mas os ponteiros do relógio já marcavam as cinco horas, poucas almas estavam de pé naquele gélido momento. aquela lua deve ter salvo a vida de algum depressivo sazonal que desejava a morte depois de um dia tão frígido, deve ser o tema de todas as canções que se apresentarão nas rádios nos próximos 300 anos. aquela lua me deixou imobilizada. eu teria morrido apreciando-a. eu estaria lá, agarrada àquela imagem, até agora, não fosse a incessante buzina do táxi, ansiosa pra me separar do meu mais intenso flash aesthesis. caminhei até o carro que me obrigou a sair do transe, com lágrimas que se misturavam a chuva fina e insistente. olhei mais uma vez para o céu, na esperança vã de que aquela lua nunca mais fosse desaparecer. eu não me importaria em viver eternamente num fim de madrugada chuvoso, se eu pudesse ter aquela imagem no céu pra sempre. ao vê-la esmaecendo a cada passo que eu dei, tive a certeza: aquela lua só se fez tão bonita porque eu esqueci meus chinelos na varanda. foi pra salvar meu dia que ela apareceu ali. e, ao perder minha atenção, perdeu a vontade de ser a mais bela das luas. o dia, decepcionado com o fim do espetáculo, começou a impor sua luz azul clara no céu cinzento. por fim, amanheceu.

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