March 25, 2008

esperou, esperou, esperou. o coração pulava feito um menino ao completar a coleção de carrinhos. ainda assim, fingia que não se importava. só se decepcionava, e como! e como era ruim, e como era fácil se decepcionar! se pudesse, se trancaria num quarto escuro. nele, só entraria música. mas não podia, fazer o quê? chorou, chorou, chorou. quis escrever, nem conseguiu. mas será possível que até isso ele tinha conseguido roubar? chorou mais um pouquinho. então lembrou do sonho em que o passarinho preto e amarelo ia fugindo. quanto mais ela perseguia, mais ele queria distância. enquanto buscava, desesperadamente, o carinho do pássaro fujão, um outro lhe implorava carinho. olhinhos brilhantes de quem havia sido abandonado. quis voltar pro sonho e afagar quem merecia. não conseguiu. nada fazia sentido e sabia que ela mesmo havia perdido as peças do quebra-cabeça.

a casca das pessoas não importa. não importa mesmo. veja bem, nem a casca do pão importa. eu mesma, tiro. conheço muita gente que também não come. e nunca soube de um caso de pessoa que deixasse miolo de lado e fosse comer só a casca. só a casca não vale nada, fica por fora só pra proteger. às vezes, nem pra isso serve. eu me lembro que quando era pequena e voltava do colégio de ônibus, gostava de sentar nas cadeiras altas. eu ficava distante, sem ouvir uma palavra daquelas milhares que o meu pai dizia. cada pessoa que entrava, era uma casca nova. eu analisava, tirava conclusões, sabia de cada detalhe da vida só pelas cascas. hoje, pensando nisso, percebi que não. que sabia eu sobre aquelas pessoas? nada. só via a casca. e já disse, de nada vale a casca. é amarga, é escura, o lado ruim fica por fora. acho que o pão tem casca porque, no fundo, não quer ser comido. aliás, quem quer, né? do mesmo jeito que a gente não quer ser engolido pela morte, o pão deve ter medo dos nossos dentes afiados. criou a casca por isso, achando, coitado, que as pessoas iam desistir de acabar com ele, se sentissem o fel da casca na primeira mordida. acho que as cascas das pessoas tem função parecida. a gente não quer proximidade. a gente quer um outro distante.

March 24, 2008

ficava sentada, querendo dizer alguma coisa, mas não dizia. calava até o que deveria ser proibido calar. fitava aqueles olhinhos pequenos, desenhados à mão, e jurava para mim mesma que, um dia, não importava quando fosse, não esconderia nada. que dia mais distante, nunca chegava! nem o dia, nem o ponto. ficava ali, olhando e desviando, o olhar e as vontades. olhava pela janela, para o livro, para a porta, para qualquer coisa que não fosse a coisa que mais merecia a atenção. parada solicitada.

a teve ligada em algum telejornal repetitivo só pra encher a sala de presença. presença que ela, tão compenetrada em sua leitura, não conseguia dar ao ambiente. esparramada no sofá, com as longas pernas finas jogadas pra cima, tentava concentrar-se somente no livro. quando havia se tornado tão difícil se concentrar? merda! não se sabe como conseguia deitar-se naquela posição, só se sabe que deitava. contrastando com a imobilidade do corpo, a mente estava agitadíssima, se contorcia, dava voltas naquela adoidada cabeça e sabe-se lá onde mais. estava ali e em milhares de lugares diferentes ao mesmo tempo. 'chegam pessoas de mais variadas classe socio...', 'nunca sentia a vida monótona...', 'foooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooon', 'mas será que? acho melhor saber de uma vez por todas...', tic tac tic tac tic tac'. tv, livro, freio, buzina, música, vento, motor, pensamentos, relógio... mas concentração já havia sido item mais fácil de achar no supermercado! parou, sentou, respirou fundo. o barulho da respiração ecoava alto como a briga entre os acordes nos carnavais que passou no interior quando menina. precisava saber, mas não tinha certeza. o que era pior? aquele aperto no peito que talvez não fizesse sentido ou a convicção? existe certeza boa, mas também existe certeza ruim... ai, deus! era melhor saber ou não saber? não sabia. aliás, sabia sim, sabia que não podia mais com aquela tamanha dúvida, era fato. a dubitação corroía, corrompia... como doía aquela lástima! ah, como doía! decidiu-se. caminhou até o envelope, com cuidado e com um mar se preparando para escorrer pelos olhos. sabia que ali se encerraria a dor do não-saber, mas poderia começar uma pior. abriu, o coração aos pulos, aos galopes, já bem longe do peito, perto de plutão, coitado, que nem era mais planeta. leu até o fim. era ali que estava escondida a concentração, afinal? por fim, soube.