March 24, 2008


a teve ligada em algum telejornal repetitivo só pra encher a sala de presença. presença que ela, tão compenetrada em sua leitura, não conseguia dar ao ambiente. esparramada no sofá, com as longas pernas finas jogadas pra cima, tentava concentrar-se somente no livro. quando havia se tornado tão difícil se concentrar? merda! não se sabe como conseguia deitar-se naquela posição, só se sabe que deitava. contrastando com a imobilidade do corpo, a mente estava agitadíssima, se contorcia, dava voltas naquela adoidada cabeça e sabe-se lá onde mais. estava ali e em milhares de lugares diferentes ao mesmo tempo. 'chegam pessoas de mais variadas classe socio...', 'nunca sentia a vida monótona...', 'foooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooon', 'mas será que? acho melhor saber de uma vez por todas...', tic tac tic tac tic tac'. tv, livro, freio, buzina, música, vento, motor, pensamentos, relógio... mas concentração já havia sido item mais fácil de achar no supermercado! parou, sentou, respirou fundo. o barulho da respiração ecoava alto como a briga entre os acordes nos carnavais que passou no interior quando menina. precisava saber, mas não tinha certeza. o que era pior? aquele aperto no peito que talvez não fizesse sentido ou a convicção? existe certeza boa, mas também existe certeza ruim... ai, deus! era melhor saber ou não saber? não sabia. aliás, sabia sim, sabia que não podia mais com aquela tamanha dúvida, era fato. a dubitação corroía, corrompia... como doía aquela lástima! ah, como doía! decidiu-se. caminhou até o envelope, com cuidado e com um mar se preparando para escorrer pelos olhos. sabia que ali se encerraria a dor do não-saber, mas poderia começar uma pior. abriu, o coração aos pulos, aos galopes, já bem longe do peito, perto de plutão, coitado, que nem era mais planeta. leu até o fim. era ali que estava escondida a concentração, afinal? por fim, soube.

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