June 22, 2007


encontraram-se, depois de tantos anos, naquela sala de espera. tudo ali era gélido: as cores com que as paredes eram pintadas, a palidez estampada nos rostos das pessoas que esperavam o atendimento, a música de elevador que irritava ao invés de acalmar.
que bom que tinha encontrado alguém; ela queria conversar porque, que todos concordem, ler revistas velhas em salas de espera é a pior coisa que um ser humano precisa fazer na vida.
já o que causou um estranho contentamento nele, não foi o fato de ter encontrado alguém que pudesse ajuda-lo a matar o tempo; mas sim ter encontrado a pessoa que mais amou na vida, embora soubesse que, na época, não tinha demonstrado tão claramente o que sentia. ele começou a pensar que esse encontro talvez fosse uma chance divina de fazer as coisas darem certo dessa vez. depois de tanto tempo, ele conseguiria consertar as burradas do passado. daria o seu telefone a ela, faria ela ligar, casariam, teriam filhos, envelheceriam numa casa em alguma praia distante. talvez, naquela praia do interior, onde eles haviam passado a noite, uma vez. como ele estava paralisado, quase que em transe, com seus pensamentos, ela deu o primeiro passo. caminhou em direção a cadeira onde ele estava sentado e com um leve sorriso disse um ‘oi’ um tanto afetado, parecia um 'oi' daqueles que vêm das moças que ficam oferecendo produtos no supermercado. um 'oi' ensaiado, forçado, irritantemente falso.

- nossa, como você está diferente. está mais bonita, está mais...
- ah, eu precisava mudar, precisava muito mudar e mudei, meu bem.
agora eu sou vegetariana, e uso maquiagem até pra ir à padaria. meu senso de humor mudou também, não faço mais piadinhas sobre tudo, acho que as pessoas não gostavam muito, sabe? era por isso que eu não era popular. agora eu faço dança... lembra como eu era desastrada? quando você me tirava pra dançar, eu até ficava meio sem jeito... ah, meu bem, agora não, agora eu danço muito bem, vou até me apresentar no teatro municipal, se quiser ver, eu vou ficar bem contente. meu psicólogo disse que o que me atrapalhava era timidez, mas não era não. é que eu me importava tanto com ler, com escrever, compor músicas, com deixar minha marca no mundo que eu não arrumava tempo pra me preocupar com o corpo, sabe? mas agora eu mudei, meu bem, ah, como eu mudei. eu vi que era uma grande estupidez minha; quem se importa com as coisas que você pensa? os homens se preocupam com as suas pernas.
ah, lembra que você brigava comigo porque eu tinha preguiça de ir ao cabeleireiro? quem me conheceu há pouco tempo, nem me imagina daquele jeito. ah, como eu era diferente, era ingênua, né, meu bem? era uma pessoa bem pior. exceto pelo cigarro, agora eu fumo excessivamente. logo eu, a única pessoa da turma que não fumava, né? que morria de alergia a cigarros. mas acho que eu comecei a fumar por sua causa, sabe? é, o cheiro me lembrava tanto você, que quando eu vi, já tava lá, dando os primeiros tragos. falando em primeiros, você soube que eu me separei do meu primeiro marido, né? ah, ele era tão sem graça. ele disse que eu tava muito diferente da mulher com a qual ele tinha se casado; na certa ficou com ciúmes. viu que eu tinha melhorado muito e começou a ter medo de ser traído, sabe como são os homens, não sabe, meu bem? claro, você é um deles!
melhor assim, eu já não gostava mais dele...

e ela desatou a falar sobre quem ela havia se tornado, falou que tinha trancado a faculdade de cinema e se formado em direito porque dava muito mais dinheiro, disse que nem falava mais com as melhores amigas que ela tinha prometido amar pra sempre, contou que não era mais católica, que agora só dormia do lado esquerdo da cama, que não tinha mais mania de organização, que não queria mais ter filhos e que nem acreditava mais em amor eterno. sempre dava um jeito de se referir ao passado com um ar (muito, muito falso) de saudosismo. sempre colocando um 'meu bem' e um 'né?' ou um 'sabe?' no final das frases, como
quem precisa forçar um vínculo com o interlocutor (que, por sinal, olhava para ela incrédulo, quase que com medo, com aquela cara que as pessoas fazem quando são surpreendidas
por alguém distraído que não percebe que está conversando com a pessoa errada).
ah, mas agora fale de você, meu anjo. como você está?
tá com uma barriguinha, mas até que tá charmoso...

- desculpa, moça, MAIS, eu não conheço você.

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